GOÓC: FILOSOFIA VIETNAMITA E CORAÇÃO BRASILEIRO
* Naísa Modesto
No final dos anos 70, Thai Q. Nghia chegou ao Brasil sem falar uma palavra de português, sem dinheiro ou parentes. Com grande determinação, construiu a Goóc - empresa que cresceu 300% desde o início, em 2004, tem 5 mil pontos-de-venda espalhados pelo Brasil, 15 lojas próprias e exporta a linha de bolsas, calçados e roupas para mais de 20 países.
Com uma fábrica em São Paulo (SP) e outra em Feira de Santana (BA), a empresa já reciclou o equivalente a 400 km de pneus usados – matéria-prima para a confecção dos solados das sandálias.
"Cada cidadão brasileiro terá um par de chinelos Goóc", projeta o vietnamita, que quer comercializar 210 milhões de pares até 2014.
Com jeito bastante simples e sotaque indiscutível, Thai Q. Nghia recebeu na unidade paulista da empresa o jornal Carreira & Sucesso e contou detalhes de sua incrível trajetória de vida:
Newsletter Carreira & Sucesso: Como você chegou ao Brasil?
Thai Q. Nghia: Fugi do Vietnã em 1978 e fui recolhido por um navio petroleiro brasileiro. Quando cheguei ao Brasil, no Rio de Janeiro (RJ), fiquei numa pensão com outros refugiados com ajuda da ONU (Organização das Nações Unidas). Fiquei sob os cuidados da Cruz Vermelha por 40 dias e depois fui para São Paulo. Fiquei na Igreja Nossa Senhora da Paz, no Glicério (bairro da capital paulista), com outros imigrantes. Naquele alojamento, tinha de ficar fora o dia todo e só voltava à noite. Em algum momento, acabava perambulando pela rua. Como sempre gostei muito de estudar, com o primeiro dinheiro que consegui juntar comprei um dicionário para começar a me profissionalizar e estudar a linguagem. No começo foi muito difícil, não entendia nada, não conhecia ninguém. Vim sozinho para o Brasil, não tinha parentes aqui. Passei muito frio também, até usava jornal embaixo das roupas, comia macarrão instantâneo todos os dias, à noite, e durante o dia comia pão com mortadela.
C&S: Quais são as outras dificuldades de adaptação que enfrentou?
Nghia: Não foram só as dificuldades tangíveis, mas também as intangíveis - como a saudade. Isso mata a gente. Você se sente anestesiado, perdido, desmotivado. Mas aquele momento em que saí do Vietnã já mentalizava que estava à procura de liberdade. Isso eu conquistei, mas em condições muito precárias. Mesmo assim, senti que isso era uma necessidade para mim, tinha de fazer a minha vida. Essa sensação de enfrentar as dificuldades é muito maior do que qualquer outro problema que você pode enfrentar.
C&S: Qual foi seu primeiro emprego no País?
Nghia: Comecei tirando fotocópias. Ficava lendo para aprender, traduzir e acabei acostumando com a língua. As coisas melhoraram e três anos depois eu passei no curso de Matemática da USP (Universidade de São Paulo). Em 1986, estava estudando e trabalhando quando emprestei dinheiro a um amigo. Era o final do Plano Cruzado, ele quebrou e fez o pagamento do empréstimo com bolsas. Fui obrigado a sair na rua para vendê-las para recuperar o dinheiro. Vendia as bolsas em Cotia (SP) e Itapevi (SP) e comecei a ganhar dinheiro com isso. Pensei: "isso é legal!". Passei a comprar mais bolsas e continuei vendendo. Um tempo depois, achei melhor parar de trabalhar e pedi demissão. Não me deixaram sair. Em vez disso, queriam me promover. Saí assim mesmo e decidi montar meu negócio. O trabalho foi tomando tanto meu tempo que não conseguia me concentrar nos estudos e abandonei o curso no terceiro ano.
C&S: Como surgiu a Goóc?
Nghia: Visitava meus parentes em outros países – Estados Unidos, Austrália, Vietnã, França – e, quando estava em Paris, fui a um museu em que, entre outras peças, havia um tambor. Percebi que por trás do instrumento havia uma longa história, uma resistência. Além disso, existe uma concepção artística muito forte e marcou todas as atividades antigas, como caça, cerimônias, funerais. Resolvi divulgar minha cultura. No Vietnã, as pessoas usam chinelo, aqueles da época da guerra, com sola de pneu. Trouxe isso para o Brasil porque achava que era uma ótima idéia e um bonito projeto. Comecei a pesquisar sobre o solado de pneu reciclado e ofereci ao mercado. No começo, os lojistas não aceitaram muito bem porque julgavam que os chinelos tinham uma concepção estética muito estranha. Mas o jovem entendeu o escopo, conseguiu se identificar com o produto e passou a procurar a marca. Aí, sim, os lojistas começaram a nos procurar para querer comprar o produto.
C&S: O que quer dizer Goóc?
Nghia: Raiz.
C&S: A que o senhor atribui o crescimento da marca?
Nghia: Primeira coisa: acho que tivemos coragem de sermos diferentes e de quebrar paradigmas. Temos outro padrão estético. Consegui criar alguma coisa que se alinha com a mentalidade do País. Os brasileiros são pessoas boas, que aceitam a diversidade e celebram as diferenças. As pessoas que têm afinidade com a marca conseguiram captar isso.
C&S: E essa preocupação com o meio ambiente, de onde vem?
Nghia: O que mais importa para mim não é a questão ambiental em si, mas ser diferente, ter liberdade, escolher seu caminho. Também é importante a inclusão, aceitar o que as outras pessoas não aceitam, como o lixo. Trabalhar com um material que ninguém quer mais - neste ponto entram as questões ambientais. Espero do meu produto não somente que ele dê conforto para as pessoas, nem que dê status a elas, mas que passe uma mensagem de questionar, provocar, pensar de uma maneira diferente. Quero mostrar que passamos por muitas dificuldades para alcançar nossos objetivos, nossos sonhos.
C&S: Durante minha visita pela fábrica, percebi que em todos os lugares encontramos faixas com mensagens motivacionais. Uma delas dizia que é preciso identificar as nuvens, beber a água da fonte e pedir ajuda. O que isso quer dizer?
Nghia: Beber água da fonte é porque na comunicação costumamos ouvir interpretação em cima de interpretação, e não pegamos a informação direto da fonte. Isso gera vários desentendimentos. Por isso, não pegue a interpretação, beba na fonte. A outra frase fala sobre identificar nuvens: acho que a função de qualquer gerência é prever e identificar ameaças, se são temporárias ou prolongadas. Cabe ao coordenador identificar que tipo de crise é essa que está chegando. Além disso, é importante pedir ajuda, dizer "não sei, por favor, me ajude". Há muitas pessoas que não estão dispostas a ajudar e outras que não têm coragem de pedir ajuda.
C&S: Depois de ter conquistado tantas coisas importantes, ainda tem algum sonho a ser alcançado?
Nghia: Quero voltar a estudar. Para os próximos anos, queremos atingir 210 milhões de produtos para o povo brasileiro. Estamos exportando muito bem, crescemos bastante com as exportações, mas nosso foco é o Brasil. A longo prazo, quero descansar e cuidar da minha vida.
C&S: Já que o senhor mencionou as exportações, como foi decidido levar os negócios para fora do Brasil?
Nghia: Participamos de uma feira no Anhembi (centro de exposições em São Paulo) e lá tivemos contato com muitos compradores que gostaram do produto. Eles entenderam rapidamente o propósito da nossa marca, viram as diferenças no nosso conceito, a simbologia. Talvez os estrangeiros dêem mais valor a isso. Os compradores vieram ao nosso encontro, não o contrário. Mas, volto a dizer, nosso foco não é fora do País, é aqui!
C&S: Se tivesse que eleger um produto que fosse o carro-chefe da empresa, qual seria?
Nghia: O primeiro projeto a gente nunca esquece (risos)! O nome do produto é Yepp. O modelo tem a história do povo vietnamita, de luta, de identidade. Temos outro produto que tem uma cara mais brasileira, o K-Zero. É bem simples, despojado. Acho muito bonito. São poucos produtos que me deixam plenamente satisfeitos, mas este tem uma harmonia muito legal.
C&S: Quais características pessoais o senhor julga determinantes para seu sucesso?
Nghia: A primeira coisa é gostar de ler. Quando eu sentia que estava perdido, que estava faltando alguma coisa, recorria aos livros. Tentava procurar respostas, não uma, mas várias. Foi isso que me ajudou. Não digo que isso leva ao sucesso, acho que é uma vantagem que tenho com relação a outras pessoas. Outra coisa: gosto muito de desafios. Quando eu acredito em uma coisa, pode me machucar ou me fazer sofrer, mas eu sigo em frente. Muitas vezes estou errado, mas quando isso acontece, tenho que mudar rapidamente de estratégia.
C&S: Da sua cultura vietnamita, o que trouxe para o Brasil?
Nghia: Muito legal a sua pergunta. Sabe, eu não sabia que minha vida era assim. Eu não enxergava tudo desse jeito. Depois que passei a conversar com os jornalistas, escutar as perguntas e pensar nas respostas, fui montando um filme da minha vida. Achava que era uma vida como qualquer outra, mas depois passei a perceber que tinha algumas diferenças mesmo. Com essa pergunta, você me ajuda a fundamentar os acontecimentos. No Vietnã, havia um poeta muito famoso que teve uma vida que eu admiro muito. Foi uma pessoa que não se apegava à glória ou renome, uma pessoa muito independente. Ele tentou por mais de 20 anos entrar para o exército, conseguiu pertencer ao alto escalão e depois foi rebaixado a soldado. Quando perguntaram para ele como via aquela situação, ele disse: "Quando eu era general, não achava que isso era a glória. Por isso, agora que sou soldado, não acho que sou mais humilde". Ele provou ser assim ao longo da vida. Essa simplicidade me inspira muito. Aqui na empresa, não acho que status é uma coisa importante. Sempre sento com os funcionários - eu não tenho sala. Hoje sento em uma mesa, amanhã em outra... Converso com todos, estou sempre andando pela fábrica. Só vejo meus e-mails à noite. Acho que essas coisas eu aprendi com a cultura do Vietnã. Tento passar isso para as pessoas. Você não é chefe para ter status, mas para ensinar e transmitir conhecimento, isso é o mais importante.
C&S: Se pudesse resumir com uma palavra sua trajetória, qual seria?
Nghia: Pode parecer incrível, mas resumiria em "fé".
* Naísa Modesto é jornalista da Catho Online. Tel.: (11) 3177-0700 ramal 124.
Schooling at Home
by Sally Thomas
Copyright (c) 2007 First Things (April 2007).
One morning, as the four children and I prepared to start the school day, I consulted the saints’ dictionary, as I habitually do, to see whose feast it might be. That day there were two feasts: those of St. Damasus and St. Daniel the Stylite, the latter of whom particularly captured everyone’s imagination. Saint Daniel’s long tenure on his pillar by the Bosphorus is described in my saints’ dictionary as “mainly uneventful,” an assertion followed by a remarkable catalogue of events, including miraculous healings of the sick, the forecasting of a devastating fire, and a visit from a demon-possessed prostitute. After his death, when the monks, having brought him down at last, tried to straighten his body out of its long-accustomed fetal position, “his bones cracked so loudly that an accident was feared.”
Eeeeeewwww, said everyone with an appreciative shudder, the four- and three-year-olds leaning raptly against my shoulders. The twelve-year-old and the nine-year-old spent some minutes in serious discussion about potential hermitages in the backyard—the top of the swing set versus the fort—until, with the useful observation of monastic writers that some lives are “worthy of admiration, not imitation,” I recalled us all to work.
The night before, we had gone to dinner with old friends, and in the course of the evening the conversation turned to our homeschooling. Our hosts didn’t want to argue with the decision my husband and I had made to homeschool; in truth, people do that a lot less often than we had steeled ourselves to expect early on. I suppose they didn’t ask how we expected our children to be “socialized” because there the children were, in front of everyone, doing their best impersonations of socialized people. The nine-year-old talked to the grownups about Star Wars, the four-year-old helped to carry dishes to the table, the three-year-old played nicely on the floor with our friends’ baby granddaughter. The twelve-year-old, away at a ballet rehearsal, proclaimed her socialization by her absence.
In fact, our friends’ questions had nothing to do with the welfare of our children, because they could see for themselves that the children were fine. But they were curious, and what they wanted to know was simply this: What do you do all day long?
That’s never an easy question to answer. When people think of school, typically they think of a day dominated by a roster of discrete subjects. In English, you do reading, writing, spelling, and grammar. In math, you do numbers. In history, you do what’s been done before.
In our homeschool, though we cover all these necessary subjects, the delineations between subjects are often far from clear. For example, this fall my math-tutor brother gave us a book entitled Famous Mathematicians, a series of little biographies beginning with Euclid and ending with Norbert Wiener in the twentieth century. The nine-year-old asked if he could read it, so twice a week, during our math time, instead of doing regular computational math, I let him read. When he finished the book, he chose one famous mathematician to profile and wrote a little report. As I was describing this exercise for our friends, I kept thinking that we had either done an awful lot of math and given English the short end of the stick, or else had done a lot of English and shafted math. But then I realized that in fact wehad done it all. He had learned math concepts, he had learned history, he had practiced reading and writing and spelling and editing—all by reading one book and writing about it.
In recent years, as homeschooling has moved closer to the mainstream, much has been said about the successes of homeschooled children, especially regarding their statistically superior performance on standardized tests and the attractiveness of their transcripts and portfolios to college-admissions boards. Less, I think, has been said about how and why these successes happen. The fact is that homeschooling is an efficient way to teach and learn. It’s time-effective, in that a homeschooled child, working independently or one-on-one with a parent or an older sibling, can get through more work or master a concept more quickly than a child who’s one of twenty-five in a classroom. It’s effort—effective, in that a child doesn’t spend needless hours over a concept already mastered simply because others haven’t mastered it yet. Conversely, a child doesn’t spend years in school quietly not learning a subject, under the teacher’s radar, only to face the massive and depressing task of remediation when the deficiency is finally caught.
To my mind, however, homeschooling’s greatest efficiency lies in its capacity for a rightly ordered life. A child in school almost inevitably has a separate existence, a “school life,” that too easily weakens parental authority and values and that also encourages an artificial boundary between learning and everything else. Children come home exhausted from a day at school—and for a child with working parents, that day can be twelve hours long—and the last thing they want is to pick up a book or have a conversation. Television and video games demand relatively little, and they seem a blessed departure from what the children have been doing all day. “You know I don’t read all that stuff you read,” a neighbor child scornfully told my eldest some years ago during one of those archetypal childhood arguments about what to play. Our daughter wanted to play Treasure-Seekers or Betsy-Tacy and Tib; her friend insisted on playing the Disney cartoon character Kim Possible. Book-talk was for school, and she wasn’t at school just then, thank you.
At home we can do what’s nearly impossible in a school setting: We can weave learning into the fabric of our family life, so that the lines between “learning” and “everything else” have largely ceased to exist. The older children do a daily schedule of what I call sit-down work: math lessons, English and foreign-language exercises, and readings for history and science. The nine-year-old does roughly two hours of sit-down work a day, while the twelve-year-old spends three to four hours. But those hours hardly constitute the sum total of their education.
We spend some time formally learning Latin, for example, but we also say our table blessing in Latin and sing Latin hymns during prayers. Both older children sing in our parish treble choir: still more Latin, which is not a dead language to them but a living, singing one. The twelve-year-old is working her way through an English-grammar-and-composition text, but she is also, on her own, writing a play, which our local children’s theater will produce in the spring. The nine-year-old has his own subscription to National Geographic and fills us in at dinner on the events of the D-Day invasion or the habits of the basking shark. He practices handwriting, with which he struggles, by writing letters to friends in England, where we lived when he was small. Last November, the older children and a friend adopted a project for sending care packages to soldiers in Iraq; they wrote letters, knitted hats, made Christmas cards, and one Saturday went door-to-door around the neighborhood collecting funds to cover postage and to buy school supplies for the soldiers to hand out to Iraqi children. This undertaking by itself was something of a mini-curriculum, involving reading, handwriting, composition, art, math, community service, and even public relations. At their best, our days are saturated with what school merely strives to replicate: real, substantial, active, useful, and moral learning.
Most important for us in the ordering of our life is that our homeschooling day unfolds from habits of prayer. We begin the day with the rosary and a saint’s life; we say the Angelus at lunchtime; we do a lesson from the catechism or a reading in apologetics and say the evening office before bed. Our children have internalized this rhythm and, to my intense gratification, the older children marshal the younger children to prayers even when their father and I are absent. The day is shaped and organized by times of turning to God.
A lot of unscheduled learning seems to happen during these times. In saying the rosary, for example, we exercise our skills in memorization and recitation, as well as in contemplation. The little children practice sitting still; they also practice counting. In remembering our daily intentions together, we practice the discipline of inclining our hearts and minds toward the needs of others. Often, too, during devotions we find ourselves plunged into discussions about current events, ethics, and questions about God and life that have been simmering unasked in some child’s mind until just that moment. The saints, whose dates we record in our family timeline book, provide us not only with examples of holiness but also with insight into the historical eras in which they lived. We have even found ourselves doing geography during prayers: Though I now forget why we needed to know this in praying the office, I distinctly recall dragging out the atlas one evening to confirm the exact location of Chad.
On reflection, if I had to give our homeschool a name, as some states require, I might be tempted to call it Saint Daniel the Stylite Academy. This would be original and memorable—for one thing, we wouldn’t be constantly saying, “No, we’re not that Saint Daniel the Stylite Academy.” Moreover, it captures something of what I believe the essence of homeschooling to be: an integrated life of learning, ordered by and emanating from the discipline of prayer. After all, despite the admonition of the monks, Saint Daniel’s career may be more worthy of imitation than I had thought.
The homeschooling life often feels like life on a pillar: isolated but visible, removed yet immersed in essential undertakings. We have not so far, in our own “mainly uneventful” life, done single combat with sword-wielding phantoms or been shown off as a “wonder of the empire.” And yet, what looks like not that much on the daily surface of things proves in the living to be something greater than the schedule on the page suggests, a life in which English and math and science and history, contemplation and discussion and action, faith and learning, are not compartmentalized entities but elements in an integrated whole from which, we hope and pray, our children will emerge one day so firmly formed that nothing in this world can unbend them.
Sally Thomas is a poet and homeschooling mother in Tennessee.