Ineficácia militar árabe
Os árabes são o povo que talvez mais consistentemente envolveu-se em conflitos armados e mais consistentemente sofreu derrotas. Nos conflitos modernos isso é uma constante. As vitórias, até o século X, devem-se muito mais ao fato de enfrentarem inimigos enfraquecidos e pelo seu conhecimento do deserto do que a qualquer outra coisa.
Um dos livros mais interessantes sobre história e estratégia militar que li nos últimos tempos busca responder esta questão. O livro é o "Arabs at War, Millitary Effectiveness, 1948-1991", Kenneth M. Pollack.
Desde a segunda guerra mundial, o Oriente Médio foi provavelmente a região mais conturbada, quase todos os conflitos com envolvimento dos árabes em alguma escala, e em todos eles a ineficácia surpreende. Alguém pode observar o histórico militar de Egito, Iraque, Arábia Saudita, Jordânia, Líbia e Síria, em combate com israelenses, europeus, americanos, persas, curdos, africanos, e até entre eles mesmos, e é sempre impressionante como atuam com ineficácia de maneira bem consistente, independente do adversário e das condições.
Dois exemplos extremos tanto em caso de vitória quanto derrota são a Síria na Guerra do Yom Kipur, e o Iraque no conflito com o Irã, e o final decisivo do conflito entre Líbia e Chade no norte do país em 1987-1988.
A ofensiva da Síria contra as forças israelenses no Golan em 1973 é comparável em disparidade à Operação Bagration pela URSS contra as tropas da Alemanha na Bielorússia durante a segunda guerra mundial. Um exército de veteranos defendendo linhas bem estabelecidas e fortificadas contra uma ofensiva massiva de surpresa com grande superioridade numérica. Os soviéticos tiveram sua maior vitória, enquanto os sírios tiveram sua pior derrota em condições de superioridade similares.
O Iraque passou praticamente uma década enfrentando o Irã com grande superioridade numérica e tecnológica, mas só conseguiu uma vitória em 1988 usando armas químicas em larga escala, matando cerca de 20,000 soldados iranianos, quase 1/5 das forças, e criando forças locais com disparidade de até 30 para 1 em relação aos iranianos.
No Chade, depois que os líbios perderam seu apoio entre os dissidentes chadianos, ainda contavam com decisiva vantagem numérica e tecnológica. Os chadianos não tinham tanques, blindados, aviões e artilharia, e não sabiam usar bem o pouco equipamento de infantaria que tinham. O único armamento pesado e transporte de que dispunham eram pick-ups Toyota com mísseis antitanque Milan fornecidos pela França na última hora, e confiavam na força aérea francesa e stingers fornecidos pelos EUA para defender-se dos líbios. Mesmo com a vantagem em todos os aspectos, os líbios sofreram uma derrota completa no norte do país. A principal base foi abandonada com muito equipamento ainda funcionando, soldados líbios morriam ao fugir pelos próprios campos minados, e a força aérea líbia tinha de destruir o próprio equipamento para evitar que fosse utilizado pelo inimigo.
Ou seja, independente do oponente e de vitória ou derrota, as forças árabes sempre atuam com muito menos eficácia do que esperado para seu número, equipamento e posição. Qual o real motivo disso?
Eu nunca havia pensado muito a fundo no assunto, e por conhecer melhor o conflito árabe-israelense, aceitava a explicação de cada guerra em particular, sem me preocupar muito nisso como característica dominante. Agora li um livro que trata especificamente do assunto, falando dos diversos conflitos e achei que valia a pena enumerar algumas das explicações que achei mais relevantes para discussão. Algumas das explicações auxiliam até a entender melhor outros conflitos.
1. O argumento mais óbvio é o treinamento das tropas. Alguns dos pontos dele são relevantes para outros argumentos. Como a maioria dos países árabes são monarquias e/ou ditaduras, a maior parte das forças armadas recebe um treinamento voltado para lidar mais com problemas internos, manifestações, tentativas de golpe e revoluções, do que uma operação militar convencional. Alguns analistas argumentam que o treinamento não é só inapropriado, mas inadequado mesmo. Na Guerra do Yom Kipur os egípcios treinaram por anos para fazer a mesma coisa, e fizeram bem feito quando era exatamente como esperava, mas não conseguiram fazer mais nada direito quando saiu dos planos.
2. Outro problema relacionado é que pelo fato da maioria desses países serem monarquias e/ou ditaduras muitos oficiais são apenas indicados, não chegando à posição por competência. Adicionalmente, por medo de um golpe de estado vindo dos militares, muitas indicações são feitas para deliberadamente gerar algum atrito e evitar uma união que levaria a isso. Esse atrito acaba indo para o campo de batalha também e elimina qualquer iniciativa. Soldados e oficiais preferem falhar do que tomar decisões por conta própria. Qualquer assunto militar é considerado segredo e oficiais são transferidos de forma imprevisível antes de poder formar alianças. Essa característica também presente na URSS acabou reforçada pelo envolvimento com os soviéticos pela maioria dos países árabes.
3. Isso gera um outro problema pois leva o conflito de classes que existe na sociedade para o campo de batalha, gerando hostilidades entreos homens . Para os homens de nível social baixo que ingressam nas forças armadas buscando oportunidades de ascenção social, um oficial indicado ao cargo representa uma ofensa. Pelo outro lado, a mesma discriminação social que haveria na sociedade civil acaba havendo entre o oficial indicado e seus homens. Isso é comum no Egito, onde há muitos relatos de oficiais que, sem nenhum laço com seus homens, simplesmente os abandonam no campo de batalha. Liderança não é considerada uma disciplina a ser aprendida, mas apenas assume-se que um oficial vindo de uma classe social superior seja um líder nato. O conflito entre oficiais também é constante por razões semelhantes, existindo uma disputa, e não há o mesmo grau de confiança que existe entre militares ocidentais.
4. A consequência mais óbvia desses três argumentos é a pouca coesão dos árabes em pequenas formações, a incapacidade de permanecer juntos e continuar a combater como grupo no calor da batalha, algo essencial na guerra moderna. Esse é o principal argumento que eu conhecia, porque é geralmente usado pelos militares israelenses. Desde a Campanha do Sinai em 1956, ficou claro para os israelenses como as unidades árabes perdiam sua coesão e deixavam cada homem por si ao sofrer ataques precisos e inesperados, algo que até ajudou a moldar a doutrina militar israelense a combater dessa forma.
5. Como muitos oficiais acabam chegando ao cargo por indicação, sem competência para tal, mesmo que permaneçam com as tropas, uma liderança tática rápida e eficiente é crucial para a eficácia nas guerras modernas, exigindo uma descentralização do comando e sub-oficiais competentes que consigam se adaptar com iniciativa e rapidamente às situações e conduzir tudo com fluidez. Isso é evidente em particular na Guerra do Yom Kippur, em que devido à surpresa adicional vê-se que tanto os Egípcios quanto Sírios lutaram com eficácia enquanto seguiam os planos originais, mas o nível despencou depois do ponto em que a reação israelense começou a ganhar momento e as decisões tinham que ser mais rápidas.
6. Outro ponto é a ineficácia dos árabes em adquirir informações sobre o inimigo e repassá-las eficientemente através da cadeia de comando. Não raro, em várias guerras, informações são deliberadamente distorcidas ou fabricadas para exagerar sucessos e ocultar falhas, principalmente por medo de represálias. Isso foi muito comum na guerra Irã-Iraque e na Guerra dos Seis Dias, chegando até mesmo ao topo da hierarquia. Difícil saber até onde foi fanfarronice e até onde foi falha de inteligência, mas por exemplo, a Jordânia chegou a lançar ataques fadados ao fracasso porque Egito anunciava que seus aviões já estavam bombardeando Tel Aviv quando na verdade foram destruídos no chão.
7. Muitos dos países árabes tem um nível educacional muito abaixo daquele dos países que lhes fornecem equipamento militar, e hoje as guerras dependem muito mais do conhecimento e manuseio eficaz dos equipamentos. Operar um tanque ou avião da segunda guerra mundial parece brincadeira de criança perto de todos os equipamentos computadorizados dos tanques e aviões modernos. Um argumento usado para explicar a ineficácia dos árabes em conflitos que dispõe de grande superioridade tecnológica, é não conhecer e explorar toda a capacidade dos equipamentos que dispõe devido às deficiências educacionais e ao treinamento inadequado. O nível de segredo e a paranóia constante que impera sobre todos os assuntos militares também impede a descentralização de manutenção e reparos de equipamentos, algo essencial nas guerras modernas.
Todos esses fatores, e outros que não foram comentados, culminam em uma esfera de ineficácia em todos os aspectos, desde o alto comando até o último soldado. Governantes impedem interação e treinamentos conjuntos entre as forças por medo de golpes, comandantes tentam microgerenciar qualquer aspecto das suas forças com medo de delegar autoridade, oficiais vêem soldados com desprezo e não se importam com eles e vice-versa.
Essas técnicas podem funcionar para manter uma ditadura, mas não para enfrentar um inimigo externo ou para sustentar uma democracia, daí a dificuldade em implantá-la nesses lugares.
Um dos livros mais interessantes sobre história e estratégia militar que li nos últimos tempos busca responder esta questão. O livro é o "Arabs at War, Millitary Effectiveness, 1948-1991", Kenneth M. Pollack.
Desde a segunda guerra mundial, o Oriente Médio foi provavelmente a região mais conturbada, quase todos os conflitos com envolvimento dos árabes em alguma escala, e em todos eles a ineficácia surpreende. Alguém pode observar o histórico militar de Egito, Iraque, Arábia Saudita, Jordânia, Líbia e Síria, em combate com israelenses, europeus, americanos, persas, curdos, africanos, e até entre eles mesmos, e é sempre impressionante como atuam com ineficácia de maneira bem consistente, independente do adversário e das condições.
Dois exemplos extremos tanto em caso de vitória quanto derrota são a Síria na Guerra do Yom Kipur, e o Iraque no conflito com o Irã, e o final decisivo do conflito entre Líbia e Chade no norte do país em 1987-1988.
A ofensiva da Síria contra as forças israelenses no Golan em 1973 é comparável em disparidade à Operação Bagration pela URSS contra as tropas da Alemanha na Bielorússia durante a segunda guerra mundial. Um exército de veteranos defendendo linhas bem estabelecidas e fortificadas contra uma ofensiva massiva de surpresa com grande superioridade numérica. Os soviéticos tiveram sua maior vitória, enquanto os sírios tiveram sua pior derrota em condições de superioridade similares.
O Iraque passou praticamente uma década enfrentando o Irã com grande superioridade numérica e tecnológica, mas só conseguiu uma vitória em 1988 usando armas químicas em larga escala, matando cerca de 20,000 soldados iranianos, quase 1/5 das forças, e criando forças locais com disparidade de até 30 para 1 em relação aos iranianos.
No Chade, depois que os líbios perderam seu apoio entre os dissidentes chadianos, ainda contavam com decisiva vantagem numérica e tecnológica. Os chadianos não tinham tanques, blindados, aviões e artilharia, e não sabiam usar bem o pouco equipamento de infantaria que tinham. O único armamento pesado e transporte de que dispunham eram pick-ups Toyota com mísseis antitanque Milan fornecidos pela França na última hora, e confiavam na força aérea francesa e stingers fornecidos pelos EUA para defender-se dos líbios. Mesmo com a vantagem em todos os aspectos, os líbios sofreram uma derrota completa no norte do país. A principal base foi abandonada com muito equipamento ainda funcionando, soldados líbios morriam ao fugir pelos próprios campos minados, e a força aérea líbia tinha de destruir o próprio equipamento para evitar que fosse utilizado pelo inimigo.
Ou seja, independente do oponente e de vitória ou derrota, as forças árabes sempre atuam com muito menos eficácia do que esperado para seu número, equipamento e posição. Qual o real motivo disso?
Eu nunca havia pensado muito a fundo no assunto, e por conhecer melhor o conflito árabe-israelense, aceitava a explicação de cada guerra em particular, sem me preocupar muito nisso como característica dominante. Agora li um livro que trata especificamente do assunto, falando dos diversos conflitos e achei que valia a pena enumerar algumas das explicações que achei mais relevantes para discussão. Algumas das explicações auxiliam até a entender melhor outros conflitos.
1. O argumento mais óbvio é o treinamento das tropas. Alguns dos pontos dele são relevantes para outros argumentos. Como a maioria dos países árabes são monarquias e/ou ditaduras, a maior parte das forças armadas recebe um treinamento voltado para lidar mais com problemas internos, manifestações, tentativas de golpe e revoluções, do que uma operação militar convencional. Alguns analistas argumentam que o treinamento não é só inapropriado, mas inadequado mesmo. Na Guerra do Yom Kipur os egípcios treinaram por anos para fazer a mesma coisa, e fizeram bem feito quando era exatamente como esperava, mas não conseguiram fazer mais nada direito quando saiu dos planos.
2. Outro problema relacionado é que pelo fato da maioria desses países serem monarquias e/ou ditaduras muitos oficiais são apenas indicados, não chegando à posição por competência. Adicionalmente, por medo de um golpe de estado vindo dos militares, muitas indicações são feitas para deliberadamente gerar algum atrito e evitar uma união que levaria a isso. Esse atrito acaba indo para o campo de batalha também e elimina qualquer iniciativa. Soldados e oficiais preferem falhar do que tomar decisões por conta própria. Qualquer assunto militar é considerado segredo e oficiais são transferidos de forma imprevisível antes de poder formar alianças. Essa característica também presente na URSS acabou reforçada pelo envolvimento com os soviéticos pela maioria dos países árabes.
3. Isso gera um outro problema pois leva o conflito de classes que existe na sociedade para o campo de batalha, gerando hostilidades entreos homens . Para os homens de nível social baixo que ingressam nas forças armadas buscando oportunidades de ascenção social, um oficial indicado ao cargo representa uma ofensa. Pelo outro lado, a mesma discriminação social que haveria na sociedade civil acaba havendo entre o oficial indicado e seus homens. Isso é comum no Egito, onde há muitos relatos de oficiais que, sem nenhum laço com seus homens, simplesmente os abandonam no campo de batalha. Liderança não é considerada uma disciplina a ser aprendida, mas apenas assume-se que um oficial vindo de uma classe social superior seja um líder nato. O conflito entre oficiais também é constante por razões semelhantes, existindo uma disputa, e não há o mesmo grau de confiança que existe entre militares ocidentais.
4. A consequência mais óbvia desses três argumentos é a pouca coesão dos árabes em pequenas formações, a incapacidade de permanecer juntos e continuar a combater como grupo no calor da batalha, algo essencial na guerra moderna. Esse é o principal argumento que eu conhecia, porque é geralmente usado pelos militares israelenses. Desde a Campanha do Sinai em 1956, ficou claro para os israelenses como as unidades árabes perdiam sua coesão e deixavam cada homem por si ao sofrer ataques precisos e inesperados, algo que até ajudou a moldar a doutrina militar israelense a combater dessa forma.
5. Como muitos oficiais acabam chegando ao cargo por indicação, sem competência para tal, mesmo que permaneçam com as tropas, uma liderança tática rápida e eficiente é crucial para a eficácia nas guerras modernas, exigindo uma descentralização do comando e sub-oficiais competentes que consigam se adaptar com iniciativa e rapidamente às situações e conduzir tudo com fluidez. Isso é evidente em particular na Guerra do Yom Kippur, em que devido à surpresa adicional vê-se que tanto os Egípcios quanto Sírios lutaram com eficácia enquanto seguiam os planos originais, mas o nível despencou depois do ponto em que a reação israelense começou a ganhar momento e as decisões tinham que ser mais rápidas.
6. Outro ponto é a ineficácia dos árabes em adquirir informações sobre o inimigo e repassá-las eficientemente através da cadeia de comando. Não raro, em várias guerras, informações são deliberadamente distorcidas ou fabricadas para exagerar sucessos e ocultar falhas, principalmente por medo de represálias. Isso foi muito comum na guerra Irã-Iraque e na Guerra dos Seis Dias, chegando até mesmo ao topo da hierarquia. Difícil saber até onde foi fanfarronice e até onde foi falha de inteligência, mas por exemplo, a Jordânia chegou a lançar ataques fadados ao fracasso porque Egito anunciava que seus aviões já estavam bombardeando Tel Aviv quando na verdade foram destruídos no chão.
7. Muitos dos países árabes tem um nível educacional muito abaixo daquele dos países que lhes fornecem equipamento militar, e hoje as guerras dependem muito mais do conhecimento e manuseio eficaz dos equipamentos. Operar um tanque ou avião da segunda guerra mundial parece brincadeira de criança perto de todos os equipamentos computadorizados dos tanques e aviões modernos. Um argumento usado para explicar a ineficácia dos árabes em conflitos que dispõe de grande superioridade tecnológica, é não conhecer e explorar toda a capacidade dos equipamentos que dispõe devido às deficiências educacionais e ao treinamento inadequado. O nível de segredo e a paranóia constante que impera sobre todos os assuntos militares também impede a descentralização de manutenção e reparos de equipamentos, algo essencial nas guerras modernas.
Todos esses fatores, e outros que não foram comentados, culminam em uma esfera de ineficácia em todos os aspectos, desde o alto comando até o último soldado. Governantes impedem interação e treinamentos conjuntos entre as forças por medo de golpes, comandantes tentam microgerenciar qualquer aspecto das suas forças com medo de delegar autoridade, oficiais vêem soldados com desprezo e não se importam com eles e vice-versa.
Essas técnicas podem funcionar para manter uma ditadura, mas não para enfrentar um inimigo externo ou para sustentar uma democracia, daí a dificuldade em implantá-la nesses lugares.
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