Florista mais famoso do Rio ignora aposentadoria e distribui buquês
Aos 70 anos, Álvaro da Camélia chega às 6h da manhã à loja que mantém há 55 anos
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RIO - Aos 70 anos, o carioca Álvaro Barros Moreira está aposentado. Agora, ele chega às 6h da manhã à loja que mantém há 55 anos na Rua do Rosário, no Centro da cidade. Ali, se dedica ao que considera seu “forte”, limpar e despachar, enquanto dois de seus quatro filhos, Eduardo e Alvinho, cuidam das outras tarefas. “Aposentadoria” para Álvaro significa que ele não precisa mais voltar para casa às 17h. Interrompe o trabalho às 13h, a tempo de almoçar no apartamento em que mora na Barra da Tijuca, de frente para o mar.
— Parar, não consigo — diz ele. — Às cinco da manhã, estou de pé. Todos os dias.
Álvaro Barros Moreira é florista. Quando fala em “limpar e despachar”, ele se refere às flores que mantêm o sustento de sua família há quatro gerações. A loja, talvez, seja a floricultura mais antiga da cidade. Está na família Barros Moreira há mais de meio século, mas já existe, ali mesmo, no centro do Mercado das Flores, na Rua do Rosário, há mais de cem anos. As flores fazem parte da vida de Álvaro desde os tempos de adolescência. E foi uma flor que o rebatizou. Talvez você não o conheça pelo nome que está registrado na carteira de identidade. Mas é difícil encontrar algum carioca que não conheça ou pelo menos já tenha ouvido falar no Álvaro da Camélia, o nome que adotou e que o tornou o florista mais famoso do Rio.
Camélias vêm do sítio particular
O apelido vem de uma tradição familiar. O pai de Álvaro cultivava, numa chácara no Alto da Boa Vista, legumes, frutas e flores, entre elas a camélia, raramente produzida na cidade. Álvaro tinha 15 anos quando seu pai deu um ultimato a ele e a seus dois irmãos, Sergio e Gilberto. Ou estudavam ou teriam que trabalhar. O trio optou pelo trabalho e ganhou, de presente do pai, um box no Mercado das Flores. Por coincidência, o box se chamava Camélia Flores. O apelido foi tão marcante que Álvaro, ainda hoje, no sítio que mantém no Alto da Boa Vista, continua produzindo camélias, embora não plante mais legumes ou frutas. Quase todas as flores que vende na loja são compradas na Cadeg ou vêm de Barbacena, em Minas Gerais. Mas as camélias são de sua produção.
Carioca prefere rosas vermelhas
Na Camélia Flores, a flor mais difícil de se encontrar é... camélia!
— É a flor preferida para decorar igrejas — revela Álvaro. — Mas ela só dá uma vez por ano: em maio, junho e, só um pouquinho, em julho.
Na ausência do produto que lhe dá o nome, as flores mais vendidas na Camélia são as rosas vermelhas.
— Acredito que as rosas vermelhas sejam responsáveis por 80% de nossas vendas — contabiliza Álvaro.
O box do mercado transformou-se na loja que hoje passa por uma reforma logo no início do período (1960-1965) em que Carlos Lacerda foi governador do então Estado da Guanabara. Lacerda resolveu acabar com a bagunça que era o mercado e cobrou dos comerciantes locais mais capricho na venda de flores. Ou eles transformavam aquilo num mercado verdadeiro, com lojas, atraente para a população, ou tudo iria abaixo para dar lugar a uma praça. Foi assim que o quarteirão entre as Ruas do Rosário e Buenos Aires tornou-se o que é agora. E o Álvaro da Camélia começou a construir sua fama.
— Sempre soube que a propaganda era importante — diz ele, um mestre na área de fazer barulho com seu comércio.
A propaganda de Álvaro se limita a ampliar o leque de amizades com uma tríade de gente que considera influente: jornalistas, artistas e jogadores de futebol. Algumas das paredes da sua loja são forradas de fo$em que ele aparece entre “amigos”. Após olhar superficialmente o painel fotográfico, é impossível não se impressionar com a diversidade das relações de Álvaro. Ali estão Odair José, Chacrinha, Wanderley Cardoso, Wando, Eliana Pittman, Garrincha, Elizeth Cardoso, Wellington Moreira Franco, Aguinaldo Timóteo, Jerry Adriani, Pelé... Álvaro conquistou a todos distribuindo flores.
— Ele é um amigaço — define a cantora Eliana Pittman. — Foi ele quem decorou a igreja no dia do meu casamento. Eram palmas debulhadas. Só não compro mais flores na Camélia porque fico sem graça. Ele nunca me cobra.
Álvaro da Camélia é uma espécie de catálogo de endereços ambulante. Acostumado a mandar flores para uma freguesia que mantém fiel, ele sempre cita, após o nome do cliente, a rua em que ele mora. Assim, Roberto Carlos é “Roberto Carlos, Avenida Portugal” e a Família Monteiro de Carvalho vira “Família Monteiro de Carvalho, Almirante Alexandrino”.
— É uma pessoa muito gentil, muito carinhosa, muito atenciosa — diz o cantor Emí$Santiago ou Emílio Santiago, Avenida Oswaldo Cruz. — Eu o conheci na época em que eu estava começando a cantar. Foi numa festa no programa de rádio de Haroldo de Andrade. Eu nunca comprei uma flor de Álvaro. Mas ele sempre me manda flores no meu aniversário. Ele sabe que eu gosto de copos-de-leite.
O depoimento de Emílio dá todas as informações sobre a maneira Álvaro da Camélia de fazer propaganda. O conhecimento no programa de Haroldo de Andrade não foi por acaso. Álvaro, desde sempre, fornece flores, em troca de divulgação espontânea, a programas populares de rádio e TV. Tudo começou ainda nos anos 60 do século passado, quando eram as flores da Camélia que enfeitavam a mesa de almoço do “Almoço com as estrelas”, apresentado por Aerton Perlingeiro na extinta TV Tupi. Eram corbeilles da Camélia que compunham o cenário do programa de entrevistas de Aziza Perlingeiro, mulher de Aerton, na mesma época. E, $hoje, as flores da Camélia são distribuídas a todos os convidados do “Samba de primeira”, programa apresentado por Jorge Perlingeiro, filho de Aerton e Aziza. Álvaro da Camélia tornou-se um nome tão popular entre os espectadores desse tipo de atração que ele acabou virando jurado dos programas de Chacrinha.
Aniversários em colunas sociais
O fato de Emílio Santiago não pagar por suas flores também não é raro. Na verdade, a primeira tarefa de Álvaro ao chegar à loja é ler os jornais do dia. Ele se dedica especialmente às colunas sociais e às seções de televisão. É assim que fica sabendo que determinado artista está aniversariando, que um certo jogador de futebol tornou-se pai ou que aquele jornalista famoso está lançando um livro. A segunda tarefa é “despachar” flores para todos eles.
Por fim, os copos-de-leite que tanto agradam a Emílio também não são exclusividade do cantor. Álvaro acostumou-se a saber qual é a flor preferida de cada “freguês”. É assim que, frequentemente, manda rosas colombianas para Lilibeth Monteiro de Carvalho e girassóis para o irmão dela, Joaquim Álvaro. Para Roberto Carlos, vão rosas brancas. Mas, de vez em quando, como sabe (ele e todo mundo) que Roberto prefere a cor azul, ele pinta as rosas brancas desta cor e as envia para o Rei.
Na última quinta-feira, Álvaro era um dos poucos comerciantes da cidade que não estava sobrecarregado com as compras de Natal de última hora da freguesia carioca. No Natal, não se vendem mais flores na Camélia. A média de 80 entregas por dia se mantém a mesma. O trabalho de Álvaro, seus dois filhos (ele tem mais dois: Simone, a única que não trabalha com flores e é funcionária da Dataprev, e Flávio, dono da Tulipa Flores, outro loja do Mercado das Flores) e dos 50 funcionários que emprega só fica maior em outras quatro datas: 8 de março, Dia Internacional da Mulher; 12 de maio, Dia das Mães; 12 de junho, Dia dos Namorados; e 30 de setembro, Dia da Secretária. Nessas quatro datas, o movimento da loja passa para 400 entregas por dia.
Mercado mudou com a internet
Desde que Álvaro da Camélia começou no ramo, o mercado de flores mudou. A agitação que movimenta o Mercado de Flores, no Centro, não corresponde ao número cada vez maior de floriculturas que estão fechando as portas no resto da cidade. Álvaro atribui isso à internet. Mas não se preocupa com os novos tempos. Criou um site e avalia que, atualmente, 50% de suas vendas de flores são feitas pela internet.
— Tenho certeza de que o mercado de flores nunca vai acabar — analisa ele. — A flor é o único produto que acompanha toda a vida do homem. Ele recebe flores ao nascer, nos aniversários, ao se casar e até mesmo quando morre.
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