Para ANTT, Brasil vive no ‘limite da gambiarra’
Para presidente da agência, país corre risco de apagão logístico
BRASÍLIA. Se as exportações de commodities brasileiras brilharam e turbinaram as contas externas do país desde 2000, a infraestrutura logística está longe de ter acompanhado o mesmo ritmo. Manteve-se cara e ineficiente. Nesse período, o país aumentou em 384% a quantidade de toneladas que circulam e congestionam as rodovias, ferrovias e hidrovias em direção ao exterior. Mas o número de rodovias asfaltadas aumentou apenas 18% no período, enquanto as linhas de trem cresceram só 500 quilômetros. O país vem operando "no limite da gambiarra", segundo o diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo:
— O país está diante da possibilidade de um apagão logístico. Mas a logística não pode ser vista só pela lógica da obra e sim pelo desempenho do transporte. Não se resolve o problema logístico transigindo com a boa forma de fazer. Chegamos ao limite da gambiarra — disse ele ao GLOBO.
Dados inéditos obtidos pelo GLOBO mostram que os fretes cobrados pelas concessionárias de trens estão R$ 600 milhões acima do teto que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) considera razoável, segundo a proposta a revisão tarifária que está em consulta pública atualmente. Além disso, gargalos e a falta de sintonia dos vários modais prejudicam o escoamento da produção.
— Nos últimos anos, a ociosidade de caminhões e trens absorveu o aumento da produção, mas já não há gordura a ser queimada. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é a $de mudar esse quadro, junto com a nova legislação.
Hoje, um trem leva 88,41 horas do Alto Araguaia até Santos. Mas cada vagão leva em média 28,9 horas no porto para descarregar. Sem o ferroanel em São Paulo, os trens precisam trafegar de 30 a 40km/h para 5km/h. Levam um dia para atravessar a capital paulista, em vez de contorná-la.
Ferrovias estão concentradas em poucas empresas
A falta de concorrência no transporte ferroviário é o principal problema do setor, segundo técnicos do governo. O fato de as malhas de trem disponíveis no país estarem concentradas nas mãos de poucas empresas contribui para aumentar a burocracia e deixar os custos elevados para exportadores. Um exemplo do efeito nefasto da concentração é que as concessionárias fazem de tudo para evitar que concorrentes utilizem seus trilhos. Em Santos, a MRS detém o acesso até o porto, mas a ALL é responsável pela linha lá dentro.
As normas agora garantem o direito de passagem pelas diversas linhas do país. Donos de outros trechos — ou usuários que tenham trens, mas não linhas — poderão utilizar a malha como um todo. Além disso, criou-se um código de defesa dos usuários. Isso deve acirrar a concorrência e baixar os fretes.
Além disso, a partir de março as ferrovias serão obrigadas a reduzir de 10% a 69% os valores fretes que cobram pelo transporte de cargas, como determina a revisão tarifária proposta pelo governo. A Vale — dona das malhas Vitória-Minas Gerais, Centro Atlântica, Carajás e sócia da concessionária MRS — por exemplo, terá que reduzir em 69% sua tarifa em Carajás.
Para o presidente da Associação dos Usuários de Trens de Carga (ANUT), José Baldez, as concessionárias se apropriaram dos ganhos de produtividade do país nos últimos 15 anos, ao pressionar o "Custo-Brasil".
Não há trens suficientes até os terminais do porto de Santos, diz o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
— Em Paranaguá, as empresas têm que usar caminhões, porque o porto não teria como dar vazão a quantidades maiores trazidas de trem. Em Santos, há poucos trens e muitos só podem trafegar à noite — disse.
Levantamento da Associação Brasileira da Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) indica que a soja brasileira, embora seja vendida segundo as cotações internacionais, perde da fazenda até o porto. Isso porque o custo do frete sai a US$ 60 por tonelada na média do país e US$ 112 só para o Mato Grosso. Nos Estados Unidos, o custo é de US$ 15 por tonelada da fazenda ao porto, e na Argentina, US$ 17.
A ideia do governo com a revisão tarifária para os trens é evitar a ameaça de explosão dos preços dos caminhões. A redução dos fretes deve ampliar os ganhos dos produtores de commodities e estimular o crescimento dos embarques de manufaturados, que poderão se tornar bem mais competitivos.
Setor afirma que problemas são anteriores à concessão
Para a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), os gargalos vêm de antes das concessões. Um que há mais de 12 anos precisa ser resolvido pelo Estado é a necessidade de encerramento da Rede Ferroviária Federal (RFFSA). O governo ainda não deu solução definitiva para o espólio da rede. A ANTF também afirma que, hoje, para atender à demanda existente, seriam necessários 52 mil quilômetros de ferrovias.
— Com as obras de expansão previstas no PAC2, as ferrovias devem ser ampliadas em mais 12 mil quilômetros até 2040. O que não se pode esquecer, no entanto, é que o tempo médio de construção de uma ferrovia é de cinco anos — disse o presidente Executivo da ANTF, Rodrigo Vilaça, que conclui: — A nossa preocupação é com a manutenção do equilíbrio dos contratos originais e mecanismos que garantam a capacidade de investimento das ferrovias.
Segundo Vilaça qualquer aumento de custo ou investimento, diante de margens tão apertadas, tende a ser um ônus adicional para o frete, que pode ou não ser repassado pela concessionária. As empresas citadas não se pronunciaram.
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